27/12/2009

Assédio Moral

Denúncias de assédio moral no trabalho crescem sete vezes no Rio, diz MP

Procuradoria do Trabalho tem em curso 394 investigações no estado. Saiba o que é o assédio moral, quais são os sintomas e como agir.

Um mercado de trabalho pressionado pela crise, somado a um trabalhador mais informado de seus direitos, vem resultando num aumento das denúncias de assédio moral nas empresas.

No estado do Rio de Janeiro, o número de casos investigados pelo Ministério Público do Trabalho cresceu sete vezes em quatro anos: passou de 17, em 2004, para 117, em 2008, uma alta de 588,2%. Já em 2009, o número de queixas já chega a 90 só até julho.

Se a queixa é uma só - humilhações e constrangimentos, de forma repetitiva, durante a jornada de trabalho - muitos são os fatores que hoje potencializam esse tipo de conduta: demissões, terceirizações, funcionários sobrecarregados e gestores com metas cada vez mais ambiciosas.

"Com a crise, há as demissões. Quem ficou sempre tem medo de perder o emprego e se submete a tudo para que isso não aconteça", explica a médica do trabalho Margarida Barreto, autora de duas teses sobre o assunto, de mestrado e doutorado, pela PUC/SP.

"As pessoas que sobrevivem à reestruturação ficam sobrecarregadas, desempenhando funções de duas ou três pessoas. Isso associado a uma organização de trabalho que impõe metas e a um gestor autoritário, acaba culminando com assédio moral", detalha.

Fenômeno recente

Segundo Margarida, um fenômeno recente é o aumento de casos de assédio coletivo, em que toda uma equipe é pressionada. Na Bahia, por exemplo, o Ministério Público do Trabalho está pedindo multa de R$ 100 milhões para a Petrobras por suposta prática de assédio moral coletivo, em uma ação civil pública em tramitação na Justiça do Trabalho de Salvador. A estatal nega.

O que é novíssimo é o assédio coletivo, em que todos são pressionados. O assédio individual continua, mas o coletivo passou a se apresentar com mais força há um ano".

De acordo com a pesquisadora, entre os estados em que há o maior número de queixas estão São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. No Rio, o Ministério Público do Trabalho tem em curso um total de 394 investigações sobre assédio moral e duas ações civis públicas em andamento. Outros 21 termos de ajustamento de conduta (acordos com a empresa) foram firmados.

"A reclamação trabalhista, a queixa que mais tem crescido é o assédio moral. Tem sido motivo de incômodo para empregados e sindicatos", afirma o procurador Wilson Prudente. "A crise é um fator fomentador, mas esse problema não nasceu com a crise".

Caráter de perseguição

Ele explica que o assédio moral é tipicamente uma perseguição ao empregado feita com atos legais. Ninguém pode impedir o empregador, por exemplo, de pedir a um funcionário que refaça seu trabalho. Quando isso é feito repetidamente, todos os dias, pode haver indício de assédio moral.

"Esse caráter de perseguição é que vai caracterizar o assédio moral. A prova é extremamente difícil. É uma das dificuldades", explica.

Segundo o procurador, o que tem sido feito é propor a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, que permite a inversão do ônus da prova, em que o empregador passaria a ter que provar que não está cometendo assédio.

"Quando as testemunhas ainda estão trabalhando na empresa geralmente não depõem em favor do colega. Assédio coletivo é mais fácil porque você tem vários empregados com a mesma queixa", diz o procurador.

Bancário ganhou ação na Justiça

O bancário Allan de Guimarães, de 37 anos, teve mais sorte. Ele contou com o depoimento de um colega de trabalho à Justiça trabalhista do Rio, numa ação por dano moral. Ele conta que, após três cirurgias nos braços e cinco anos de licença médica, por conta de uma tendinite crônica, retornou ao trabalho, mas sem poder fazer horas extras e sem realizar qualquer espécie de esforço repetitivo.

"Todos os dias, quando chegava a hora de eu ir embora, meu gestor dizia que eu não queria nada, que eu era preguiçoso, que estava abandonando meus colegas e meu local de trabalho. Todos me olhavam com cara feia. A sensação que eu tinha era que ia ser linchado", conta Allan, que ganhou a ação na primeira instância, no fim de 2008, quando o banco foi condenado a pagar uma indenização de R$ 6 mil.

Reparação pode incluir danos patrimoniais

A desembargadora Gloria Regina Ferreira Mello, vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Rio, acredita que a tendência é que a demanda nos tribunais cresça à medida que as pessoas têm mais conhecimento sobre o assédio moral.

Segundo ela, se for comprovado o assédio moral, a sentença pode indicar não só uma indenização por dano moral, como uma reparação por danos patrimoniais, caso o trabalhador adoeça ou tenha gastos com terapia, por exemplo.

"O procedimento pode ser tão cruel que a pessoa chega a desenvolver doenças", explica.

Para o advogado Sérgio Batalha, os casos de assédio moral sempre existiram. A diferença hoje é que estão chegando ao judiciário.

"Os casos sempre existiram, mas os processos aumentaram bastante. Antes não era visto como algo que se poderia exigir reparação", explica.

Sindicatos combatem problema

Segundo o advogado José Luiz Campos Xavier, da Associação Carioca de Advogados Trabalhistas, hoje não há uma estatística que comprove numericamente o número de casos, mas os processos vêm aumentando consideravelmente.

Categorias - como bancários e professores - vêm desenvolvendo campanhas contra o assédio moral. O tema é um dos abordados pelo Sindicato dos Professores do Município do Rio (Sinpro-Rio) na campanha "Saúde do professor". Nas escolas, as queixas de assédio costumam envolver patrões e docentes e até pais de alunos.

Em 2004, uma escola foi condenada a pagar indenização de R$ 17 mil a um professor após reduzir sua carga horária, obrigando-o a comparecer e ficar sentado na sala dos professores, sem fazer nada. Segundo a ação, que tramitou na 33ª Vara do Trabalho, o professor presenciava até entrevistas para admissão de seu substituto.

"No assédio moral você tem a repetição, a intenção. A pessoa é humilhada várias vezes durante a jornada. Tudo que você faz não tem valor. Você nunca satisfaz aquele que é o agressor", explica Margarida Barreto.

Sintomas

Segundo Margarida, entre os sintomas que o trabalhador pode desenvolver estão dores de cabeça, além de poder passar a chorar com facilidade, ter insônia, sonhar com o trabalho e a temer a proximidade das segundas-feiras. O trabalho passa a ser fonte de angústia.

"Se o assédio não é barrado, pode sofrer até transtorno mental, como síndrome de pânico. A pessoa sente uma tristeza profunda, um caminho para a depressão. Infelizmente temos casos até de tentativa de suicídio", diz.

O que fazer

- Para denunciar, o trabalhador deve procure o espaço que tem confiança, como seu sindicato. O Ministério Público atua somente nos casos em que há interesse coletivo. Em geral, busca-se um acordo antes de se ingressar com uma ação na Justiça.

- Se o assédio for individual, o trabalhador deve procurar um advogado.

- Colegas de trabalho podem testemunhar, mas muitos não o fazem com receio de perder o emprego.

- Segundo especialistas, o e-mail pode ser aceito como prova.

- O trabalhador deve ainda registrar em um caderno, dia após dia, tudo o que acontece no trabalho, em detalhes.

- Laudos de tratamentos médicos e uso de medicamentos também são usados. O mesmo vale caso o trabalhador tenha se submetido à terapia.

Fonte: G1 - 11/08/09